quinta-feira, 24 de junho de 2010

I Put a Spell on You- sobre "Stranger than Paradise"

Screamin’ Jay Hawkins é o intérprete da famosa canção de jazz “I put a spell on you”, tema do filme “Stranger than paradise”. Hawkins sempre foi um excêntrico: é conhecido precursor das extravagantes e controversas performances no palco, o "shock rock", desde Ozzy Osbourne até Marilyn Manson. Em trajes africanos, em sua mão direita um cetro do vodu, maquiagem branca no rosto e uma voz quase surreal, no sentido macabro da palavra, foi uma solitária figura em um meio tão tradicional como o blues. Interessante é perceber que sua versão da música tema, famosa pela interpretação de Nina Simone, é de fato oposta ao ar romântico e melancólico comumente associados à canção. É uma voz estridente, gritante, cadenciada e ritmada pelo que seria quase uma dança tribal; ao invés de causar furor, causa profundo estranhamento ao dizer “Eu coloquei um feitiço em você, porque você é minha”. Tudo estava lá, a excentricidade, a obsessão, a raiva, a gritaria...


É justamente sobre isso que Stranger than Paradise versa. Os planos longos, abertos, as cenas com alto contraste entre o preto e o branco. Ao nível da narrativa, a estupidez, a mediocridade, a saudade, o desejo, o estranhamento. São os Estados Unidos longe da versão oficial, se é que ela de fato existe. Fato é que assim os personagens a vêem, Jarmusch a vê, e nós, espectadores, vemos uma América conflitante, oscilante, sob a ótica de dois homens e uma mulher, estrangeiros de si mesmos.


Nesse ponto, encontramos dois níveis de entendimento do filme: de um lado temos dois húngaros e um americano, todos alheios a quem são, ou para aonde vão, se é que possamos expressar dessa forma; de outro, temos uma terra que também é alheia aos que nela vivem e nascem. Trailers, apartamentos pequenos, bairros perigosos, motéis de beira de estrada, almoço enlatado... É a nação que está sempre pronta a partir, a mudar, -a se locomover.


De fato, os personagens encarnam o sentido da palavra “ocasional”, “efêmero”. Eles estão ali por simples golpe de sorte, destino. São os que sempre estarão nas margens de qualquer construção social, de qualquer relacionamento, moda ou mainstream. São os que causam pavor à consciência da classe média, ao olhar confortável. São os que vivem a constatação do estabelecido, não por escolha, mas simplesmente porque assim o são, assim nasceram e assim serão. Jarmusch conta suas histórias. Desde seu primeiro filme “Permanent Vacation”, até os mais recentes, como “Flores Partidas”.


Por fim, é na estrada que eles se encontram, no lugar de transição, em um “não-lugar”. Flórida parecia o fim da viagem, um lugar de sonho e realização. Flórida é somente a Flórida no final das contas, e é tão selvagem, cruel e igual à Nova York ou qualquer outra cidade. Eva, personagem húngara no filme (sendo também a atriz que a interpreta, além de ex-dançarina de boate), encontra-se na encruzilhada ao fim do filme: Hungria ou Paris? Por fim, volta ao hotel vagabundo, se senta e respira fundo. Ali, talvez, seja seu lugar. O lugar, quiçá, destes que são os Estados Unidos e que, contudo, não são nada além do que notas de rodapé nos livros de história.

Nenhum comentário:

Postar um comentário